terça-feira, 3 de novembro de 2009

Propaganda e Sociedade



Stalimir Vieira me ganhou no primeiro mês de faculdade quando li seu livro “Raciocínio criativo na publicidade”, cuja proposta era “pense ao contrário”. E para tanto, se deveria agir com paixão: “uma coisa que mexe com a gente, transformando-nos de meros espectadores, em agentes absolutamente envolvidos". Ou seja, "tira-nos da platéia e nos coloca no palco”. E afirmava ainda que “o problema é dotado do encanto de carregar, misteriosa, a própria solução”.

Anos depois, na minha pós-graduação em ciência do consumo, me deparo com um artigo dele na Revista da ESPM e ele volta a me surpreender, em defesa da propaganda e da liberdade. Saboreiem um trecho:

“O objetivo da publicidade é, sempre foi e será identificar vulnerabilidades sociais, morais e emocionais, com a intenção explícita de atuar sobre elas e alcançar seus objetivos. Nem sua maior razão de ser, nem seu maior poder de persuasão, nascem na condição de profissão ou ciência, presunção recentíssima, forjada apenas numa tentativa de classificar procedimentos, diante do acirramento da competição pelo mercado. Mas eram inatos em nossos ancestrais, mercadores e pregoeiros, desde sempre. Balidos de ovelhas, sinetes, traques, cores, aromas, perfumes, essências, gritos roucos... compunham, entre muitos outros apelos, o anúncio da chegada do vendedor, acontecimento aguardado com ansiedade nos povoados. E o ‘estado de graça’, gerado na comunhão do visível com o invisível, do real com o imaginário, seduzia e hipnotizava vilas inteiras... Ocasião em que o povo só tinha sentidos para aquilo que os aguçava, manipulado deliberadamente pelos negociantes. Uma festa. Uma festa inventada com o interesse de fazer lucro. Mulheres, homens e crianças, em escalas diferentes de percepção, comungando o sentimento de uma felicidade provocada por atitudes de sensibilização certeira sobre seus estados latentes de desejo. A excitação geral era alimentada permanentemente – a fumaça de um assado, o espargir de um perfume, o descortinar de um tecido, o brilho de um dourado – para que a predisposição para o consumo não arrefecesse em nenhum momento. Uma fórmula perfeita porque intuída por antigas sabedorias: ao termos despertado alguns aspectos de nossa natureza – a viciosa busca pelo prazer, por exemplo – vamos tratar de atendê-los, de um jeito ou de outro. E não haverá lei capaz de impedir a cumplicidade entra a carência gerada pelo pressentimento da falta de sentido da vida e a capacidade de nos iludirmos com a possibilidade de ela poder ser suprida ou disfarçada por prazeres que neutralizem nossas angústias. Tentar, portanto, domar a publicidade por meio de postulados moralistas, é como pretender manter a fumaça presa numa gaiola. A publicidade, como toda expressão filosófica, é inatingível e livre por natureza e, pelo mesmo motivo, não há maneira, sem ser cerceadora, ditatorial e violenta contra a condição humana, que possa tentar submetê-la a vocações coercitivas.”

É por isso que eu gosto tanto de publicidade e propaganda! E é de comunicadores como o Stalimir, que a gente, enquanto consumidores precisamos!

6 comentários:

Gian Fabra disse...

desculpe minha querida, cada um com suas paixões, mas preciso discordar aqui. Acho a publicidade o lado negro da força. E esse cara me parece um discípulo direto do próprio Darth Vader. rsrs

“O objetivo da publicidade é, sempre foi e será identificar vulnerabilidades sociais, morais e emocionais, com a intenção explícita de atuar sobre elas e alcançar seus objetivos."

Meu Deus! Onde estão os escrúpulos? Alcançar os objetivos não pode justificar qualquer ação. Identificar vulnerabilidades emocionais das pessoas para faze-las consumir? Isso é macabro... Acho q as leis de publicidade ainda são amenas diante do mal social que ela faz.

Venderam-se muitos potes de margarina, mas quantas pessoas levam vidas frustradas por não terem aquela cena-fantasiosa-de-café-da-manhã nas suas casas? Venderam-se muitas roupas, mas quantas pessoas passaram a não aceitar seus próprios corpos por estarem fora das medidas que aparecem na TV?

Sou a favor da liberdade, sempre!!! Mas cuidado para não confundir os conceitos. Usar a liberdade para tirar a liberdade dos outros é vil. E aqui merece a censura sim. Q nesse caso não é ditatorial (como 'Vader" tenta distorcer), mas para liberar as pessoas da Ditadura do consumo.

Isso daria horas de discussão. Portanto respeito seu ponto de vista, apenas discordo ;)
desculpe, é apenas o que penso.
bjs

a_girl_feeling disse...

Gian, não se desculpe! A troca é sempre valiosa, depois eu já tenho uma certa estrada e aprendi a escutar a galera da “militância anti-publicitária” que vê o discurso publicitário como um “cadáver que sorri”. heheh Mas me permita fazer algumas ponderações.

Para mim, ao falar do objetivo maior da publicidade, Stalimir, não faz rodeios e sua fala não é hipócrita, ele expõe de forma clara a intenção de todas as marcas (ou pelo menos, a grande maioria delas) que nós consumimos.

Alcançar os objetivos não justifica "qualquer ação", não obstante, todas as peças submetidas são “fiscalizadas” pelo CONAR - O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.
Sobre identificar as vulnerabilidades, existe dois pontos que eu gostaria de levantar.

Primeiro que a ideia de comprar não deveria ser a de “acumular mais coisas”, mas sim à satisfação de um desejo, a viabilização do intangível em algo ao alcance das mãos e, portanto “a little something” que vai fazer aquele dia mais feliz (momentaneamente), que vai fazer a autoestima levantar e ajudar a vencer/passar mais um dia, nesse mundo caótico. O “fazer compras”, nos ensina a viver em uma sociedade de mercado. Ademais, não é certo dizer que consumo é consumismo, a gente também se expressa por meio do consumo, o qual, por sua vez pode servir de matriz para leituras de mundo.

Segundo que “nem o publicitário é um monstro manipulador de mentes, nem o consumidor (a rigor, todos nós) um fantoche que consome qualquer coisa que os anúncios ‘ordenem’”.

É engraçado que as pessoas não tem a vida do comercial de margarina e isso não e atribuído a ritmos hedonistas e acelerados de vida, tampouco ao individualismo e niilismo, é culpa da propaganda.
E mais, as pessoas comem um monte de junk food, ficam obesas e isso não é porque estão propriamente se alimentando mal e acomodadas no sedentarismo, é culpa da propaganda.
As pessoas fumam a ponto de adquirir um câncer e isso não é atribuído ao livre-arbítrio, à beleza da escolha, é culpa da propaganda.
Você nota como algumas questões têm que ser relativizadas?

O “mal” que você fala, para mim reside na ausência de uma estrutura. “A mesma mulher, ‘politicamente correta’, que milita no combate às mensagens comerciais dirigidas à criança e seleciona o que a filha pequena pode assistir, a fim de evitar a ‘erotização precoce’ promovida pela televisão, é capaz de narrar, divertida, que surpreendeu a menina de três anos pintando as unhas ou mirando-se no espelho, usando sapatos de salto alto da mãe”. Temos aí duas coisas, o conceito ideológico incorporado e o sentimento de naturalidade, esses dois fatos serão tratados como distantes, embora estejam conectados.

A questão das roupas e do corpo, o furo é mais embaixo, existe um movimento do mundo da moda e celebridades e um padrão de beleza sustentado quase que mundialmente, ao qual a publicidade apenas está adequada. Contudo, aí também impera todo um “poder” da mídia que é constituída de várias outras mensagens, não somente publicitárias. Concordo contigo, que é heavy metal a ditadura da magreza, mas note que já existem movimentos, inclusive na publicidade, voltados para uma onda mais “aceite-se como você é, você é única” e “o sol nasceu pra todas”. Sim!!! Existe também uma publicidade totalmente do bem do tipo “preserve o planeta”, “adote um animal de estimação”, “doe sangue”, etc, etc e etc...

Na realidade, a publicidade favorece a liberdade de escolha. Ela divulga (sim, usando a persuasão) várias opções de produtos e serviços, para podermos provar, continuar comprando/utilizando ou simplesmente trocarmos de marca. E como publicitária eu te digo que, as vezes, não importa o quanto a gente se esforce, tem determinados produtos que já estão enraizados na cabeça do consumidor, porque resgata alguma coisa da infância ou tem um quê que se sobressai e não tem propaganda que te faça mudar de idéia e nisso a marca tem que mudar de estratégia.

a_girl_feeling disse...

Continuação:

Além disso, hoje em dia a publicidade fala com um consumidor consciente, que passa longe da passividade de décadas anteriores. Mais: um consumidor que cruza referências e procura por outros que, como ele, partilham das mesmas visões, é um agente ativo, diferente do mero comprador de produto. Sim, o consumidor também é entendido como cidadão com valores, crenças, atitudes, comportamentos e práticas éticas e morais.

“Ditadura do consumo” é algo violentamente pesado de se dizer. (Pelo menos pra minha pessoa :/) Eu vou deixar você com a reflexão de uma autora que fala do aspecto antropológico em relação a “normalidade” de se fazer compras todo o dia: (...) “This doesn’t mean that we should either demonize shopping or give it up. Not when it gives us pleasure, sharpens our sense of value, and creates a public space like the farmers’ market*. Pursing these ideals, rather than buying things, should be what we use shopping to achieve. And we can only develop that critical consciousness if we understand why, and how, we shop”.

Tranquilo Gian! Esse tipo de comentário é o que mais me instiga... To pronta pra tréplica! :p
Bjsssss

* Uma feira de produtos naturais que acontece semanalmente na altura da Union Square em Nova York.

Gian Fabra disse...

Como eu disse, isso daria horas de discussão... mas uma réplica tão inteligente e bem embasada como a sua merece resposta. Antes de tudo, concordo com vc q nem toda publicidade é nociva, existem, como vc muito bem citou, vários exemplos de publicidade do 'bem', e a própria existência de um orgão regulamentador (CONAR - obrigado, nao sabia o nome do orgão) já prova q ela precisa ser cerceada. Sim. Diferente do que pensa seu guru.

Fico feliz q vc não se chateie com minha opinião contrária. Tb acredito que a graça e a salvação do mundo está na diferença de opiniões e no respeito entre elas, diferenças essas que a publicidade (no sentido da massificação de uma idéia) tenta esmagar. Aí eu sou contra. Aí os publicitários são monstros manipuladores de mentes sim.

Tb preciso dizer que não sou contra o consumo. Mas, olhando o comportamento é fácil perceber q existe uma Ditadura nessa questão. Mesmo existindo tantas variáveis. É bem romantico seu pensamento do 'little something, making a day'. O problema é que o poço dos desejos não tem fundo e criar um mecanismo q promete enche-lo é maldoso e ilusório.

A cultura de massas é um assunto instigante e misterioso. Associar uma marca aos costumes é o Santo Graal da publicidade, e felizmente os publicitários ainda não conseguiram encontrá-lo. Eles podem até atrelar uma marca a um produto (coca-cola = refrigerante; bic = caneta esferográfica; etc), mas não conseguem atrelar os produtos a um estilo de vida (Harley Davidson = pessoas livres; Macintosh = pessoas cibernéticas; etc). Isso se dá pelo consumo e não pelo consumismo, hedonismo niilismo, etc que são justamente as vulnerabilidades sociais que o sujeito no texto diz q devem ser exploradas. Cito isso pq acho q é justamente essa busca o q causa o mal da publicidade. Tentar vender uma forma de ser. E uma forma forma de 'ser' apenas 'é'. Ou deveria ser.

Óbvio q não vamos chegar a nenhuma conclusão aqui, mas adorei a sua réplica e convite para a tréplica. Vc ganhou muitos pontos comigo. Gosto de garotas inteligentes. =)
bjs

Gian Fabra disse...

Ah, depois disso acho q mereço saber seu nome =)

a_girl_feeling disse...

Gian, eu poderia dizer mais umas três ou quatro coisinhas... ahaha Mas tudo tem dois lados e não chegaríamos a uma conclusão, vc disse bem.

Eu me chamo Natalia. Prazer em conhecê-lo, "oficialmente".
:)