sábado, 14 de março de 2009

Nas asas selvagens do destino


Final de tarde quente, nuvens tingidas de amarelo alaranjado e vermelho anunciam a chegada de mais uma noite típica de verão. A melodia por sua vez promete um anoitecer de festa.
Cheia de vida e cintilância, ela vive as fantasias que invadem a realidade, outrora sonhadas. Comovida com a paisagem pulsante e envolvida pelo encantamento do ritmo das músicas e das pessoas, ela se entrega ao novo que exala um perfume suave e afrodisíaco.
Sob a constelação luminosa ela sente uma energia efervescente, desconhecida. Contempla o luar, fascinada com os raios prateados que banham seu corpo. Noite azulada.
À margem expositiva da fogueira das vaidades, explosiva é a sua vontade, diante de uma possibilidade acelerada pelo efeito do álcool, que corre livre junto de seu sangue, displicente das conseqüências.
Os olhos dela encontram os dele e a sensação de borboletas no estômago a possui. Empatia imediata. “Devo me render aos estímulos e pular?” Tomada pelos braços dele, a valsa a salva de seu próprio desespero. Ao girar em seus braços vislumbra as matizes que parecem circular a sua volta. Aquela luz pálida e cálida ilumina seu rosto, mais do que isso, faz o azul de seus olhos brilhar mais intenso.
Não é apenas o encontro dos corpos, é o encontro das almas, porque um se perdeu no outro. Um desejo que é plural, por ser dos dois. Sedução que não é sublime, é estampada e desvelada na sincronia incessante dos corpos a bailar.
Não era um baile, foi um beijo. O encontro dos lábios e das línguas conduz ao calor embrulhado de uma sensualidade exasperante. Simbiose absoluta, dada a volúpia dos corpos, condensada num desejo faiscante capaz de provocar alta combustão, ardendo na pele.
É a vida líquida fluindo em cores, nuances e luzes, como se houvesse um feitiço no ar encantando suas almas. Fruir cada segundo, sorver cada gota, pois seria necessário perder a noite para ganhar o dia. Feliz madrugada. Em um lampejo a imaginação quis que aquele momento durasse para sempre.
Da sinfonia improvisada fizeram-se sussurros e risos, sons ininteligíveis, o ruído dos outros se transformara numa sonata de verão para eles. Era a eufonia inexorável do coração batendo acelerado, prelúdio dos que se apaixonam.
Depois daquele beijo ganhavam um agora inteiro, sendo unidos pelas mãos que não se largavam mais e o colorido querer de um abençoado amanhã. Imaginariam eles que da doce aurora se faria o fel?
E de mãos dadas, embriagados pela harmonia da alvorada decidiram ir até a praia. No caminho passaram em frente a uma casa branca e notaram que a porta e as janelas amarelas estavam fechadas. Havia um pequeno jardim na entrada de campânulas e rosas desabrochadas. Na lateral da casa havia uma cerejeira, ela quis provar o fruto e adentrou. Era uma casa de veraneio que estava vazia.
Ele teve receio, mas quando sentiu o aroma que vinha da boca dela quando disse “prova”, ele já prefaciava o sabor da polpa macia e suculenta e também se entregou ao prazer de comer aquelas cerejas, que pareciam aflorar ainda mais a libido. Por um momento eles fantasiaram num futuro possível comprar aquela casa, morarem ali, dividirem uma história e serem felizes. Como que uma promessa, traçaram um coração flechado na cerejeira e escreveram seus nomes, antes de seguirem para seu o destino.
Quando chegaram à praia observaram as gaivotas voando perto do céu. Àquela hora a praia estava vazia, era o paraíso na terra. Abraçaram a alquimia daquele lugar com um beijo apaixonado fundindo a alegoria poética do local, alumiado pelos primeiros raios de sol.
Caminharam pela areia clara, o azul intenso e profundo das ondas do mar era convidativo, ela então, numa intimidade tímida tirou o vestido e deixou que as ondas beijassem seu corpo. Ele tirou a gravata, a camisa e a calça e correu na direção dela. Desejo máximo de sentir seu cheiro, tocar seu rosto, beijar seus lábios.

Envoltos pela água selvagem se deixaram levar para o fundo, um nos braços do outro, como se houvesse amanhã. Porém, foram surpreendidos por uma mudança súbita do tempo, o céu acima deles se fechou para dar espaço a uma tempestade de verão.
A chuva era revigorante, mas o mar ficou mais agitado trazendo em suas ondas antes aprazíveis, agora uma acidez incorrigível coroada por uma colônia de águas-vivas. Com seus corpos gelatinosos e seus tentáculos bamboleantes, essas criaturas translúcidas ostentavam uma beleza singular, numa dança involuntária no palco das ondas.
Eles tentaram nadar para longe delas, eles queriam voltar, mas era tarde demais, aquele minuto sucedera o átimo do indizível. As células urticantes das águas-vivas que se transpassaram neles causavam anafilaxia, cãibras intensas nos músculos e dificuldade para respirar, apesar da sensação de queimação eles tentavam nadar de volta para a margem.
Não havia mais espaço para o bem-estar de antes, não haviam palavras, a angústia de um e de outro estampava-se nos olhos e tomava corpo. A agonia explicita de querer salvar e sair dissolvia-se na fraqueza. Afundando nas águas do mar seus corpos deixavam de ser impulso, inquietação. Queimava a leveza violenta do minuto em que você é ao encontro do outro em que deixa de ser. Eles que foram vida agora flutuavam inexpressíveis no azul infinito do mar.
O céu se abria novamente, exibindo um sol plácido entre as nuvens. A luz fracionada refletida no balanço das ondas acompanhava o movimento das águas-vivas, deixando que cintilassem junto com o límpido arco-íres que riscara o céu naquela manhã trágica.

2 comentários:

Lisiane disse...

Tocante heim! Uma linda história com um belo final trágico!

a_girl_feeling disse...

Obrigada Lili linda!! bjsss