sexta-feira, 8 de maio de 2009

Tudo tem dois lados

Encerrou ontem o IX circuito de cinema, cultura e psicanálise. Quatro noites, por vezes densas, acompanhando histórias que já vimos em algum lugar. Histórias que não têm algo de extraordinário e com certo pesar digo que são banais, isso sem desmerecer as produções, atuações e muito menos o alerta que punge. O que mais me choca é que esses filmes não são novidade, traduzem realidades já desmistificadas e que ainda hoje a gente vê acontecer, bem diante de nossos olhos.


Uma mãe que é mãe e pai de seus filhos. Filhos que buscam um futuro, em meio a uma realidade dura. Personagens de "Linha de Passe” que encontram muitas linhas de impedimento pra ultrapassar. Indiferença, exclusão e desencontros. Numa metrópole onde se faz necessário trabalhar pelas pessoas, o mal. E o bem?


Um jovem neonazista perturbado, com um segredo prestes a ser descoberto. Perversão. Sadismo. Violência. Loucura. "Tolerância Zero" que cai em contradição. Uma ideologia cega. Ódio/obsessão por uma religião. As forças da intolerância, tanto individual quanto de um grupo social. O desamparo. O mal. Quem ele mata ao morrer?


Um professor. Uma idéia. Alunos adolescentes. Um movimento. "A onda". Até onde você se deixa levar? Até que ponto você paga pra ver? Até onde você consegue realmente enxergar? Afinal, como foi possível a ditadura de Hitler? E mais: ela poderia se repetir hoje em dia? O mal envolvendo, pois envolvente.


Ditadura. Medo. Tortura. Morte em vida. Vidas apagadas. Após 120 dias de pesadelo, quatro jovens, numa noite de tempestade saltam pela janela para aquilo que pode ser a liberdade ou a morte. "Crônica de uma fuga". Trauma. As sequelas. E o mal.


Debatendo esses filmes, baseados em fatos reais, analisando personagens tão complexos e relembrando casos como o de João Hélio algo permaneceu. Uma constatação que cutuca e incomoda: o mal é banal.


Todas as pequenas más intenções. Todas as verdades escondidas. Toda omissão. Os crimes da mente e da alma. As ações impensadas.


Fiquei refletindo sobre todas as vezes em que simplesmente ignoramos as crianças de rua. Ou apenas despejamos um automático “não tenho”. Essa indiferença é o mal. O mal banal. No que se transforma um indivíduo ignorado? Onde se inserem os negligenciados? É providencial que ele saiba que se ele não tem família, não tem casa, não tem ninguém, ele ao menos tem a vida. Ele tem a si mesmo. Ele existe, ele é alguém, ele é parte disso tudo. Viram como praticamos o mal e nem notamos?


Talvez não seja correto dar esmola. Mas o que nos impede de dar uma palavra ou um sorriso? Ou quem sabe uma das coisas mais preciosas que temos, tempo. Mudar não é fácil, ainda mais diante do “comum” que é banal. Eu tampouco sei se esse é o caminho e se é de fato possível começar a fazer um contorno. Mas a coisa também não precisa ser do dia pra noite, embora devesse. Também me questiono se tem jeito desse país ir pra frente quando tem gente como Sérgio Moraes, entre tantos outros corruptos nos governando.


Pelo sim, ou pelo não algo ficou latejando. Um passo de cada vez. Um novo olhar. O mal pode ser remediado.


Lembrei do filme "Onde mora o coração", em que uma mãe solteira se envolve com um homem mal, que ao ficar sozinho com as crianças tenta maltratá-las. A mãe consegue evitar que algo grave aconteça. E passado o susto, num momento de desespero e desabafo com a amiga, ela questiona o que dirá aos seus filhos quando ficarem maiores. Como conseguirá explicar a situação de risco que os “submeteu”. A resposta da amiga vem como um calmante: “Você vai olhar nos olhos deles e dizer que existe o mal dentro das pessoas, mas que também existe o bem. E que só vale a pena viver para o bem”.


It's all of the good that won't come out of us
and how eventually our hands will just turn to dust//


It's all the good that won't come out of them
and all the stupid lies they hide behind
//


It's all of the good that won't come out of me
And how eventually my mouth will just turn to dust

2 comentários:

Amanda disse...

Nossa muito bacana o texto.
Voltei do banco a pouco, e na porta da entrada tinha uma menina de rua, ela me pediu uma moeda, mas eu nao dei, logo lembrei disso que vc tinha comentado comigo, mas ainda nao havia lido o post. Pois eh, somos mals, somos bons, procuramos algo e nunca estamos satisfeitos, acho que essa eh a nossa sina!

a_girl_feeling disse...

É Amanda, tem maldade embutida em nós. Mas repensar e reavaliar nossas atitudes já é um sinal de esperança :)